Pedaladas são crime?
Luiz Henrique Lima
A
expressão mais usada em 2015 foi “pedaladas fiscais”. No primeiro semestre
competiu com “Lava-jato” e “petrolão”; no segundo, com “impeachment”. Na média
do ano, ganhou com folga.
A
princípio, o termo “pedalada” inspira certa simpatia. Evoca um passeio
ciclístico, uma atividade bucólica, saudável, praticada com amigos e
familiares, em comunhão com a natureza e de bem com a vida. Nada a ver com as
pedaladas fiscais, que nada têm de inocentes.
As
pedaladas fiscais praticadas pelo governo federal em 2014 – e ao que tudo
indica também em 2015, pelo menos até a sua condenação pelo Tribunal de Contas
da União – foram atos deliberados e reiterados de falsear os registros
contábeis da administração pública, de modo a esconder os resultados fiscais
negativos que vinham sendo produzidos pelo descontrole da gestão. Alcançaram várias
dezenas de bilhões de reais e foram acompanhados de decretos de abertura de
créditos orçamentários sem autorização legislativa, entre outras graves
irregularidades.
O
próprio governo federal reconhece que pedalou, justificando que os seus
antecessores pedalaram também e que “apenas” houve uma violação da Lei de
Responsabilidade Fiscal, em nome da preservação de programas sociais. Tais
argumentos não resistem aos fatos e aos números.
As
pedaladas fiscais não foram infrações formais, sem consequências maiores para o
povo brasileiro. Os resultados estão diante de todos. Enquanto as economias latino-americana
e mundial crescem, o Brasil encolhe. Enquanto o governo federal despreza a
responsabilidade fiscal, o Brasil retrocede à inflação de dois dígitos e ao
desemprego idem.
A
dissimulação dos indicadores fiscais promovida pelas pedaladas contaminou
progressivamente a saúde econômica do país. Um resfriado não curado evoluiu
para uma pneumonia dupla. O déficit público cresceu e com ele as taxas de
juros. A credibilidade da política econômica caiu e com ela os investimentos. O
país foi rebaixado pelas agências de risco, perdeu posições no Índice de
Desenvolvimento Humano e a concentração de renda voltou a subir.
No
apagar das luzes de 2015, a meta de superávit, originalmente de R$ 143 bilhões,
transformou-se em déficit de R$ 120 bilhões. Para “cumprir a meta”, avalizou-se
uma derrapada de R$ 263 bilhões. É como se um avião saísse de Brasília com
destino a Natal e chegasse a Rio Branco. Erros, corrupção, trapalhadas e
pedaladas estão deixando um rastro de destruição, semelhante ao da lama tóxica
espalhada pelo rompimento da barragem da mineradora premiada por sua
responsabilidade socioambiental, e que também demorará alguns anos para a
recuperação.
Você
não conhece nenhuma vítima das pedaladas fiscais? Olhe ao seu redor e veja os
desempregados, os endividados e os que tiveram os programas sociais cortados
como o FIES e o Pronatec. E não se iluda que é passageiro, porque essa multidão
tende a aumentar nos próximos meses.
As
pedaladas fiscais caracterizam crime de responsabilidade? Trata-se de uma
decisão que compete aos nossos representantes eleitos no Congresso Nacional. A
Lei dos crimes de responsabilidade, de 1950, prevê que uma das modalidades de
crime de responsabilidade são os crimes contra a lei orçamentária.
Desde
as suas origens, o orçamento público foi o escudo dos cidadãos contra a
ganância dos governantes, porque impunha freios à gastança burocrática e ao
confisco tributário. É por isso que violar a lei orçamentária é atentar contra
a Constituição e trair a democracia.
Uma
das maiores conquistas da democracia brasileira foi derrotar a cultura inflacionária,
gestada pela ditadura, e estabelecer um código de conduta responsável para a
gestão dos recursos públicos, inibindo o endividamento, os gastos de custeio
sem controle e o início de obras sem recursos assegurados para sua conclusão.
Tudo isso está sendo minado por expedientes como as pedaladas fiscais, que
violam frontalmente diversos princípios constitucionais da administração
pública: a legalidade, a publicidade/transparência, a moralidade e a
eficiência.
Luiz Henrique Lima é Conselheiro Substituto do TCE-MT.
Nenhum comentário:
Postar um comentário